Série Raízes do Brasil
PARTE 1
Os Bestializados e a República que não foi
Nicolau Sevcenko, no prefácio à obra
de José Murilo de Carvalho, “Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República
que não foi”, discorre sobre as ilusões republicanas.
Com a abolição do trabalho escravo,
em 1888, e com a proclamação da República em 1889, a cidade do Rio de
Janeiro passa por profundas transformações. Segundo José Murilo de Carvalho: “O
fim do Império e o início da República foi uma época caracterizada por grandes
movimentações de ideias, em geral importadas da Europa. Eram ideias mal
absorvidas ou absorvidas de modo parcial e seletiva, resultando em grande
confusão ideológica”. (CARVALHO, 1999 p. 42).
José Murilo de Carvalho, na obra
citada acima, discorre sobre, no capítulo primeiro, a cidade do Rio de Janeiro,
dando ênfase às transformações urbanas e culturais. No segundo capítulo,
analisa as várias concepções de cidadania naquele contexto de época. O terceiro
capítulo ressalta o mundo dos cidadãos ativos e inativos e a exclusão dos
últimos da vida política. No quarto capítulo, descreve os motivos da Revolta da
Vacina. Finaliza seu trabalho no quinto capítulo, mostrando que havia algo, no
comportamento do povo, que não se encaixava no modelo e na expectativa dos
republicanos.
Nessa nova conjuntura urbana, várias
questões estavam na ordem do dia: o rápido crescimento da cidade, o
desequilíbrio entre o número de homens e mulheres, muitas pessoas desempregadas
ou mal remuneradas. Os problemas de infraestrutura urbana, de abastecimento de
água, de saneamento e de higiene tinham como consequências as epidemias de
varíola, febre amarela, malária e tuberculose. O custo de vida era alto e a
valorização da terra e dos imóveis crescia cada vez mais.
Os governos (federal e municipal)
investiram na modernização e urbanização do Rio de Janeiro, abriram grandes
avenidas, retirando os cortiços, embelezando o centro, mas não incorporaram as
reivindicações e as necessidades da grande maioria do povo, ao qual era negado
o direito à cidade. Com a especulação imobiliária em alta, as elites ganhavam
muito dinheiro, e os ex-moradores dos cortiços foram obrigados a,
clandestinamente, ocupar os morros.
Os idealizadores da nossa República
não permitiram que se formassem cidadãos ativos, com direito à cidade, isto é,
à vida urbana e à participação política. A cidade tornou-se uma mercadoria de
difícil acesso. Morar no centro do Rio de Janeiro tornou-se cada vez mais
difícil. Muitos ficaram à margem da história, nas praças e ruas, sem moradia e
sem trabalho digno. Segundo o autor: “Trata-se do problema do relacionamento
entre o cidadão e a própria atividade política”. O povo, que deveria ter sido protagonista
dos acontecimentos e incorporado às melhorias urbanas, sente-se excluído e não
compreende o que se passa.
Já na Grécia Antiga, de modo
especial em Atenas, a cidade foi o lugar privilegiado do desenvolvimento da
cidadania. Desde seus primórdios, a filosofia grega se liga à cidade, com suas
prosperidades e suas limitações.
O Rio de Janeiro, em 1890, era a
maior cidade do país, com mais de 500 mil habitantes. Capital política e
administrativa, centro das grandes decisões, a cidade passou a ser o centro da
vida política nacional.
Passada a euforia inicial, provocada
pela proclamação da República, a possibilidade de maior participação na vida do
País, aos poucos foi sendo frustrada. Desapontaram-se os intelectuais, os
operários tiveram dificuldades para organizarem e participarem da vida
política, e a participação do povo podia ser encontrada somente nas festas
populares, como as da Penha e da Glória, e nas escolas de samba e rodas de
capoeira.
O povo de ontem e de hoje é a face
oculta da “nossa República”. As cidades, no seu planejamento e no orçamento
público, permanecem alheias às prioridades da grande maioria da população.
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