Série Raízes do Brasil
PARTE 3
Avenida Central (hoje Rio Branco) em 1910
Foto Marc Ferrez
Os Bestializados e a República que não foi
Por que
cidadãos inativos?
A
história do Brasil mostra-nos que uma parcela reduzida dos brasileiros desfrutou
dos direitos de cidadania, nos quase quatro séculos de Brasil Colônia e
Império, em que isso foi considerado normal.
Os
republicanos não alteraram a ordem das coisas, pois foram preservados os
interesses das oligarquias agrárias que detinham o poder de decidir os destinos
do país.
Ser
cidadão era uma condição reservada a poucos. Nem militares, nem liberais
instituíram um sistema de poder voltado para a transformação dessa grande
maioria da população pobre em cidadãos plenos.
A
República manteve quase todas as exclusões em relação ao voto. Nas primeiras
eleições diretas para presidente, em 1894, votaram apenas 7.857 pessoas, ou
seja, 7% do eleitorado potencial, 1,3 da população. A grande maioria estava
excluída do processo eleitoral.
Outra
questão que José Murilo de Carvalho levanta trata da concepção de alguns
intelectuais, principalmente dos estrangeiros, em relação ao povo.
Eles desejavam observar, aqui no Brasil, os mesmos
acontecimentos que ocorriam na Europa. Mostraram-se extremamente preconceituosos,
quando colocaram os nativos e negros à margem dos acontecimentos.
A
crença numa total inexistência de um povo participante e politizado é
exagerada, pois a população da cidade do Rio de Janeiro participou de alguns
acontecimentos políticos desde a Independência. Prova disso é a Revolta do
Vintém (1880) e os comícios e manifestações a favor da abolição, que contou com
um envolvimento popular.
Segundo esses intelectuais estrangeiros e
republicanos, seria necessário buscar cidadãos na Europa, recorrendo-se à
imigração. São Paulo recebia 100 mil imigrantes por ano, cerca de 40% de todos
os estrangeiros que chegavam ao país.
Outro fato que o autor questiona é quanto à apatia
política dos fluminenses e dos brasileiros de um modo geral, na qual esses
intelectuais acreditavam. Alguns republicanos pensavam que os militares
poderiam instituir qualquer governo, que o povo o aceitaria com submissão
total, como foi na implantação da República, em 15 de novembro de 1889.
A resposta à pouca participação do povo na Nova
República deve ser buscada na visão elitista dos liberais e dos positivistas.
Os políticos tradicionais não mudam a função do Estado, mesmo com a mudança na
forma de governo do Império para a República.
Em São Paulo, o partido republicano cresceu sobretudo
por causa de sua defesa do federalismo; embora prometesse progresso para todos,
mantinha os privilégios para a oligarquia cafeeira paulista.
Os observadores contemporâneos, brasileiros e
estrangeiros, traziam no bojo o preconceito em relação ao país e ao seu povo.
Podemos verificar que, tanto os militares, como os
republicanos paulistas não previam uma grande participação popular no governo.
Para ambos, caberia, apenas aos mais competentes e que tinham os ideais de Ordem e Progresso, o direito de participar
e de definir as decisões políticas. Portanto, a política era assunto apenas das
classes dominantes.
Concluímos que, tanto os observadores estrangeiros,
quanto os intelectuais republicanos estavam sem dúvida buscando o cidadão ao
estilo europeu. Ou, então, o povo nem sempre seguia o que eles esperavam ou que
julgavam correto. Para Raul Pompéia, o bom era o brasileiro republicano,
nacionalista, florianista; o mau era o monarquista, antinacionalista e o
politicamente apático.
A
concepção de cidadão, na história do Brasil, está mais relacionada ao seu bom
comportamento do que realmente às manifestações realizadas por eles. Podemos
verificar que a maioria dos meios de comunicação de massa tratam os
participantes de movimentos organizados -sindicais e populares - como
baderneiros, desvalorizando-os, pois geralmente mostram só as questões
negativas relativas a eles, deturpando as suas conquistas.
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